“Se o homem persistisse na sua loucura, tornar-se-ia sábio”. (William Blake)
Uma
prévia preparação talvez tivesse sido aconselhável... mas não houve nenhuma. Na
verdade, seria melhor não pensar muito a respeito enquanto a paisagem se
transformava ao redor. Apenas a sensação indefinida, uma espécie de “frio na
barriga”, confirmava que estava a caminho de um momento tantas vezes insinuado
e igualmente esperado. Porque o desconhecido pode causar uma espécie de estranhamento
desavisado, daqueles envoltos na névoa que brinca quando não se tem noção do
porvir.
Quem
sabe se por conta do torpor quase sempre presente no coração dos que vivem
cotidianos confusos e desencontrados, ou quem sabe se pela ausência de um ser
que nem sempre se reconhece, mas o fato é que algumas mentes se recusam a aceitar
de pronto qualquer tipo de empolgação e assim vai se conduzindo sem saber bem o
que esperar. Então, do nada e de tantos outros lugares transitados pela alma surgem
as surpresas... embrulhadas em coloridos papéis ou apenas amarradas por frágeis
cordões dourados ou puídos pelo tempo... mas também cientes de que existem, de
que suas próprias surpresas não são alheias ao seu valor, mas carregam
singularidades que dançam ao redor de si mesmas, se embriagam de ilusões e se
recarregam na fantasia da verdadeira realidade: aquela que elas mesmas determinaram,
sem se deixar levar pelas ondas efêmeras da sanidade formal.
Duelos
acontecem nas atmosferas mais improváveis, por meio de euforias tolhidas por
quem não se apercebe de sua própria loucura. Afetos se compensam pela
perpetuação de um abraço imaginário, de um amigo que está prestes a sucumbir,
por uma fresta em que se derramam possibilidades. É algo maior que si mesmo;
algo pelo qual vale a pena se arriscar.
Desfiles
de peculiaridades são apresentados com direito a tapete vermelho, iluminados
por estruturas de pensamento que se manifestam com uma íntima sanidade, desde as
coerentes e com raciocínios altamente estruturados até outras com termos quase
ausentes; algumas expressividades prestes a explodir em esteticidades brutas,
cujas consequências só poderiam ser avaliadas em momentos seguintes. Mas também
a demonstração presente de interseções construídas com carinho e pautadas em
confianças extremas.
Enfim...
emoções, deslocamentos longos e um festival de semioses, com a música, o
desenho, a fala que acontece através de afeto presente e direcionado se
destacam. Mas talvez a maior dentre todas seja a constante demonstração de uma normalidade
que se esforça em explicitar tudo o que se significa, na tentativa de sair de
seu próprio espaço e se apresentar com presença e dignidade. Extrair a
aceitação de que qualquer almejada liberdade pode estar em muitos lugares, de
muitos modos, mesmo atrás de portões abertos para quem nem sempre deseja sair.
Porque as amarras são internas e mesmo sem autorização para ir e vir,
precisamos fortemente desses confrontos para nos dar conta do quanto humanos e
frágeis nós somos, a ponto de perceber que há um limiar muito estreito que nos
separa desse universo, paralelo sim, mas presente e assustadoramente possível.
Perceber
lógicas inusitadas é absolutamente fascinante. Permite dimensionar a vida tal
como ela se apresenta: com suas infinitas diversidades ativas e seus universos
paralelos, que coexistem com a nossa absurda normalidade. Permite que sejamos loucos pela vida, em pura interseção, em
magia de momentos cúmplices e delirantes. Pois quem de nós não alterna
momentos, não só nos múltiplos exercícios de papéis existenciais, mas
igualmente naqueles em que nos confrontamos com nossos pesadelos diários?
O fundamental é não deixar esmorecer o ato de cuidar e ser cuidado, em suas inúmeras possibilidades e aberturas, pois este talvez seja o supremo exercício de humanidade: o de ajudarmos uns aos outros e iluminarmos, cada um segundo sua luz, a eventual sombra de nossos contemporâneos partilhantes.
Luana Tavares
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