“Tudo está cheio de deuses” – atribuído a
Tales de Mileto (séc. VI a.C.)
Na
imensidão azul que perpassa dois mundos – dos seres e da natureza - todos os
deuses ali habitam, integrando as realidades pela fluidez, pela unicidade e
pela característica úmida de sua essência. Esses mesmos deuses se contorcem
entre as passagens para alcançar as brechas da natureza mais oculta de cada
ser, permitindo que as indagações mais substanciais transpareçam na
transparência de seu elemento. Então, flutuamos imprecisos sobre seus
movimentos e sobre sua atração, não sendo possível dispensar qualquer de suas
manifestações. E este princípio fundamental – a água essencial - ainda persiste na natureza e é validado por tudo
que se move, se atrai, se expande, se infiltra e está repleto de si mesmo, de
vida, de deuses e da alma que se fixa através de sua qualidade ou de sua
potencialidade divina.
Águas...
em forma de fontes, rios, oceanos, artérias, filetes, lagos, mares, geleiras,
no raso e no fundo, na terra e no ar, em todo o tempo e lugar e até onde não
está, pois mesmo ali há a potência de sua natureza, já que não há (quase) nada
que sobreviva sem ela... de todos os modos, sempre urgente e imprescindível,
sempre presente! Nas suas formas se realizam vontades e se complementam
intenções, vertendo mergulhos profundos e poéticos, ao som de cantos
ancestrais.
E
as águas que circulam, contidas por nossos corpos, se equivalem, proporcional e
filosoficamente, às águas que circulam pelo planeta... virtualmente na mesma
proporção. Ambas são precisas, carentes, ávidas de um magnetismo que as
mantenha coesas em suas invisíveis fronteiras, pois elas não sabem para onde
vão ou de onde vem, apenas seguem seus padrões passíveis de alternâncias. Na
verdade, não há distinção de percursos... eles se misturam e se transpõem em
objetivos que se supõem vitais, mas que são, igual e simultaneamente, insondáveis.
Quem
pode intuir qual o sentido do caminho das águas que se ocultam? Quem pode saber
que invisíveis seres a habitam? Na substancialidade do que nos serve de
alimento, está a transcendência de sua própria essência, a que penetra mundos
em escalas que não podem ser compreendidas, ou talvez essa compreensão seja
possível apenas através de olhares e sentidos ainda não descobertos ou
revelados, aqueles cuja exigência de racionalidade está além da realidade
imediata.
E,
no entanto, águas são apenas estruturas químicas, claramente definidas, simples
em sua composição e mais simples ainda na sublime função de promover a vida da
forma mais básica. Mas é uma simplicidade que carrega segredos quase impenetráveis...
segredos que assolam a existência e que a validam exatamente pela sua singeleza,
pela sua integralidade e interdependência. Águas transformam paisagens e faces,
transfiguram o tempo e nos lembram de que não sobrevivemos sem elas. Mas também
provocam fins em sua violência desmesurada, quando não se suporta e se transborda
na manifestação de uma das mais poderosas forças que invade o mundo sem piedade,
sem pedir licença, sem que escape um só vazio, uma só dimensão... elas requerem
atenção e cuidados, vigilância constante de algo que permite vida e morte dos
que são por ela tocados.
Nas
esferas mais inquietantes, abissais e invisíveis, porém, alternam as
configurações da frequência de vida e, a níveis inimagináveis, tomam para si a
responsabilidade da perpetuação da vida e da beleza, da evolução e da própria
constituição do universo.
Águas,
aparentes ou ocultas, são as fontes físicas da alma que conduz e que preenche a
condição existencial da natureza, representando uma das formas mais sutis que
os deuses encontraram de participar da divindade em cada espécie, em cada
possibilidade de vida.
Luana Tavares
*Coincidentemente,
‘águas ocultas’ parece ser o significado do nome da minha cidade: Niterói! Ela era, originalmente, toda
entrecortada por rios, que se ocultavam na mata nativa... sempre imagino o
deslumbre de sua paisagem primordial!
É verdade, Niterói tem este significado, a paisagem deveria ser deslumbrante, agora de escondido, só temos o atual Prefeito, que permitiu a especulação imobiliária, acabar com nosso lindo recanto. Bjão do Rubem
ResponderExcluirGrande Rubem!
ResponderExcluirPois é, as águas, entre outras coisas, andam escondidas pela nossa linda cidade! Mas a beleza e as pessoas daqui compensam as dificuldades! Niterói vale a pena sempre!
Abração,
Luana