“De onde as coisas têm seu nascimento, para
lá também devem afundar-se na perdição, segundo a necessidade; pois elas devem
expiar e ser julgadas pela sua injustiça, segundo a ordem do tempo”. (A
sentença de Anaximandro – tradução de F. Nietzsche).
Que
o austero filósofo me permita uma espécie de licença poética e/ou talvez
temporal – forçosamente adaptada aos nossos dias – de suas palavras. Mas me
ocorreu, enquanto relia a sentença, que na nossa atual dimensão espaço-tempo,
parece que sofremos uma espécie de sentença em escala planetária, associada aos
prenúncios quase apocalípticos de que estamos à beira do caos existencial,
pragmaticamente falando!
Obviamente
que estamos atravessando momentos críticos, no que tange à consistência física,
estrutural e social do planeta, entre outros fatores. Mas creio que já estamos
nesta fase há algum tempo. Talvez devêssemos começar a agir como as crianças que
se encantam e buscarmos uma postura mais deslumbrada diante da vida, entendendo
que nosso papel é ínfimo diante da vastidão de possibilidades.
Discussões
reincidentes à parte, talvez seja preciso apenas iniciar (e prosseguir) uma singela
reflexão sobre a dinâmica da vida, que se renova e se completa em si mesma. No
fundo, talvez ela (a própria natureza), seja muito mais forte do que possamos
conceber e nós, que a sentenciamos e nos julgamos determinantes, ainda
rastejamos em busca de algo que nem mesmo entendemos. Talvez sejamos apenas catalisadores
de algo que a precipite sobre si mesma. A vida, em sua extensa dimensão, provavelmente
se basta, se integra, se conecta, se estabiliza e existe por si só... nosso
papel, embora importante e fundamental como parte desta conexão e deste equilíbrio
tão ansiado, se resume a uma composição, cujo sentido ainda está se revelando.
O
que importa então seja simplesmente retomarmos um atribuído olhar primordial
grego de que tudo está imbuído de e na natureza, no sentido simples e
assustadoramente intrigante de sua essência; de que ela totaliza entes e
participa da constituição de algo maior do que supomos... de algo que também
faz parte do universo; de algo que por si só é o próprio universo.
Então,
ficamos pequeninos e, assim, quase tudo que é efêmero perde seu sentido...
quase tudo se esquiva diante da imensidão da eternidade ou do pulsar contínuo
da inspiração entre dois princípios. Será que diante de algo assim, guerras,
emissões de gás carbônico ou discussões efêmeras e de intenções duvidosas têm,
afinal, importância? Bem, talvez sim, se considerarmos que cada emanação de
energia pensante e atuante pode fazer a diferença, que cada singularidade pode
alterar sensivelmente o destino final da folha que se solta da árvore ou do som
de uma pena que toca suavemente o chão.
Na
ordem do tempo, que existe por si mesmo, atemporal na sua suposta e imune
estagnação, preexiste a noção de que, de fato, possa vir a ser aquilo a que se
está destinado. Na sua dimensão, nada (ou tudo) faz sentido... mas talvez só
seja contabilizado o que realmente importa ou, enfim, apenas os atos que tenham
em si algo de transformador, ainda que ínfimos.
Pontualmente,
é preciso acordar para que os rios continuem fluindo, para que os fenômenos
climáticos continuem determinando as temperaturas que nos cercam, para que o ar
puro prossiga invadindo bilhões de pulmões carentes de vida e de sonhos. É
preciso que a sentença do nosso nascimento não nos apavore ao ponto de minar as
esperanças que nos faz rolar a pedra ladeira acima, sem jamais desanimar, sem
nunca desistir... como se o instante de lucidez ao voltarmos o olhar para a
pedra que rola nos fizesse cientes de nosso momento único na escala que
intercedemos. A perdição de nossa certeza nos incita a continuar, a resistir, a
insistir em compreender o que está entre nós desde o início dos tempos e que
vai permanecer, quer nos afundemos em nossas expiações e necessidades, quer
elevemos o olhar para um destino que está além do topo da montanha.
Certamente
que ainda há muito que trilhar num sentido mais amplo e sensível... deve faltar
pouco, mas esse pouco é tão significativo, que pairam dúvidas... Seja lá,
entretanto, o que vier a acontecer ao destino, pode ser que a esperança tome as
rédeas e abrande a respiração de seus seres racionais – aqueles que se julgam
mais capazes, inteligentes, sensíveis e com maior domínio sobre bens, materiais
ou imateriais, que não possuem. Ou talvez seja melhor entender que o planeta,
enfim, deve ser mais sábio que alguns de seus arrogantes habitantes! Para o
caos inimaginável, provavelmente seria preciso o extremo, e o pior é que somos
capazes de chegar lá... mas outras formas de vida ainda serão vidas e talvez
seja só o que importa. A natureza tem seus mistérios, afinal!
Sobre
a sentença, o que importa dizer? Que cada um conforte a sua dor, sua
incoerência, da origem ao ocaso, de onde for capaz de extrair suas próprias
verdades (pois que cada um tem a sua, a seu modo e a sua medida) e que, de
acordo com seu tempo subjetivo e eterno, e segundo sua necessidade e desejo,
decida se é hora de expiar ou se recriar, pois que a única justiça possível
advém do que está depositado exclusivamente em suas crenças e esperanças.
Lindo artigo Luana! Me lembrou muito a resiliência, ou seja, a capacidade de superar as dificuldades da vida com esperança. Sempre persistir, sem jamais desistir. Caminhar é preciso...
ResponderExcluirFlávio, muito bom receber sua visita na Singularidade da Lua!
ExcluirCaminhar é preciso sempre... mas também é fundamental refletir sobre o papel que exercemos no desígnios dos diferentes caminhos que se apresentam na ordem da vida e do tempo. Somos seres resilientes pela nossa própria estrutura e devemos entender como podemos, através dessa capacidade de resistência e superação, contribuir para a construção de novos e melhores tempos!
Abração e seja sempre bem vindo aqui!
Luana